Muitos veículos de comunicação social abordaram bem recentemente a pós-verdade, ou seja, as circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais. A ascensão de uma direita populista tem a ver com esse complexo tempo. Vejamos então parte dos perigos que corremos.

Na década de 1990, o sociólogo Anthony Giddens havia alertado para o fato de que as tradições poderiam ser radicalizadas e falar mais alto em algum momento. Tal fato colocaria em risco o projeto em curso de globalização. Ele não foi uma voz isolada naquela década. O economista Dani Rodrik, por outros ângulos, compreendia haver o risco de que o crescente hiato da desigualdade social nos países colocasse em xeque o processo de mundialização.

O relatório da ONG Oxfam (aqui), cujos resultados foram divulgados na imprensa recentemente, diz que as oito pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza do que a metade mais pobre da população mundial (3,6 bilhões de pessoas). Seis homens mais ricos do Brasil concentram a mesma riqueza que toda a metade mais pobre da população do país (mais de 100 milhões de brasileiros). O retorno para os donos do capital superou o crescimento econômico nas últimas três décadas. Ademais, os sistemas tributários vêm se tornando cada vez menos progressivos desde o início da década de 1980 em decorrência da redução da alíquota máxima aplicada ao imposto de renda, de cortes nos impostos sobre ganhos de capital e de reduções nos impostos sobre heranças e sobre a riqueza. Segundo a Oxfam, os paraísos fiscais e a corrida para baixo nos salários, a precarização das condições de trabalho, integram o modelo de crescimento excludente.

A Oxfam revela ainda que um terço da riqueza dos bilionários do mundo tem origem em heranças recebidas e que outros 43% têm algum vínculo com favorecimentos por conta de relacionamentos sociais. Do ponto de vista da mobilidade social, matéria publicada na edição de 9 de fevereiro de 2013 da revista “The Economist” mostrou que se trata de algo muito comum que até 80% do status social familiar tendam a ser transmitidos de geração em geração. Em sociedades mais igualitárias, como aquelas da Escandinávia, por exemplo, esse número é inferior a 30%. Portanto, o fácil discurso da “meritocracia” precisa ser relativizado. Afinal, a neutralidade do modelo de crescimento vigente não se sustenta.

Em seu livro “Estado de crise” (2014), o sociólogo Zygmunt Bauman questiona se estaríamos vivendo um tempo de ruptura ou interregno. Para Bauman, “depois da perda de confiança pública na sabedoria e na potência do Estado, agora é a vez da destreza da ‘mão invisível do mercado’ perder sua credibilidade”. A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer neste interregno. Estamos sob o domínio das brumas da incerteza na medida em que os cidadãos acreditam cada vez menos que os governos sejam capazes de cumprir suas promessas. Nesse sentido, o populismo de direita representa um grande risco no horizonte.

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Fonte: https://jornalggn.com.br/

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